O prefeito Hamilton realizou, na manhã desta quinta-feira (5), a entrega do prêmio Mestre da Cultura Viva de Jacareí a quatro representantes da cultura popular: Sebastião Aparecido Oliveira, Sonia Aparecida Rebequi Pereira, Ilta Aguiar da Silva e Maria Rosa.
A cerimônia foi realizada no gabinete do prefeito e contou ainda com as presenças da presidente da Fundação Cultural de Jacarehy José Maria de Abreu, Sonia Ferraz, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Emerson Goulart, e vereadores.
Como prêmio, cada mestre da cultura recebeu uma placa feita pelo artista plástico Elton Brasil e a premiação no valor de R$ 2 mil.
O prefeito explicou que a ideia de receber os “mestres da cultura” em seu gabinete para a entrega do prêmio foi uma forma simbólica de demonstrar o quanto essas pessoas são importantes para a cidade. “O gabinete do prefeito é visto como um dos lugares mais importantes, onde se tomam grandes decisões sobre os rumos da cidade. Receber vocês é uma maneira de demonstrar a importância de vocês, que na simplicidade, no trabalho de cada dia, resgatam e valorizam a nossa identidade cultural, nossos costumes”, disse o prefeito.
A artesã e costureira Ilta Aguiar da Silva ressaltou que foi a primeira vez que entrou no gabinete. “Não é só a primeira vez que entro no gabinete. Tenho 84 anos de vida e esta também é a primeira vez que abraço um prefeito”, disse em tom bem humorado.
Os mestres da cultura nunca dispensam uma boa prosa e sempre têm um ofício para ensinar: seja a arte de transformar retalho em bela costura ou de arrancar poesias das cordas de uma viola.. Entretanto, seus ensinamentos não constam de livros didáticos mas estão no saber e fazer que vêm de gerações. São mestres na arte de manter vivas as tradições e costumes de um povo.
E para reconhecer o valor dessas pessoas, que com simplicidade ajudam a preservar a cultura da cidade, a Fundação Cultural de Jacarehy José Maria de Abreu realiza desde 2010, a entrega do prêmio Mestre da Cultura Viva. Até hoje já foram eleitos 23 mestres.
A seguir conheça mais sobre os mestres que acabam de receber o prêmio este ano.
Arte do fuxico – A artesã Ilta Aguiar da Silva acaba de receber o prêmio na categoria Artesã, reconhecida pela arte de fazer fuxico, que consiste em transformar retalhos em pequenas flores que compõem visuais de roupas, colchas, almofadas, bolsas etc. “Fiquei toda cheia de vida. Imagine a gente trabalhar a vida toda e um dia ser reconhecida. É muito bom”, comemorou.
Ilta nasceu em 20 de agosto de 1931, em Minas Gerais. Morou um tempo no Paraná, mas foi em Jacareí que fixou residência. É mãe de 13 filhos e avó de 28 netos.
O talento para manipular a linha e a agulha ela descobriu na infância, num tempo em que a máquina de costura era movida a manivela. Aos 7 anos, recebeu da avó, Balbina Maria, uma agulha com linha e um dedal. “Eu gostava de ver minha avó costurar, então ela resolveu me incentivar: ‘essa menina vai ser costureira’, disse ao meu pai”, relembra, que nessa época vivia em Santo Antônio do Aventureiro (MG).
A menina foi crescendo e o gosto pela costura também. Aos 10 anos, depois de muito observar um amigo do pai que era alfaiate, ela fez a primeira peça de roupa. “Foi uma calça para um dos meus irmãos. Meu pai ficou tão contente com o resultado que comprou mais tecido para eu costurar. Então costurei um paletó, um vestido de godê e não parei mais. Ah e nunca estraguei pano de ninguém”, garante.
“Aprendi a costurar num tempo em que tudo era feito pela costureira. Hoje a gente entra na loja e já sai vestida”, compara ao ser interrompida pela neta, Ariadne Aguiar de Souza, 11 anos: “Mas mesmo assim é ela quem faz toda a sua roupa!”.
Ariadne é a caçula dos 28 netos e passa parte do tempo aprendendo a fazer o fuxico, arte que a avó Ilta aprendeu a fazer, reaproveitando os retalhos que sobravam da costura. “A gente brinca de fuxicar”, diz a avó. Uma brincadeira que a neta leva a sério: “Eu gosto muito, mas é preciso ter atenção para fazer bem feito. É preciso ter capricho, medir certinho o tamanho de cada retalho, combinar as cores e costurar bem pra não soltar depois”, detalha.
Viola e poesia – Nascida em Paraibuna, no seio de uma família que sempre teve apreço pela viola, Maria Faria de Souza, ou Maria Rosa, como é mais conhecida, veio para Jacareí aos 16 anos. E foi aqui na cidade que ela viu aflorar seu talento para a catira e a viola e também para a poesia. Começou a frequentar um rancho de violeiros e lá conheceu o Paraitinga (Marcolino Souza, violeiro e catireiro, eleito mestre da cultura em 2013).
“Em 6 meses nos casamos. Foi em maio de 1962. Aí pensei, agora que me casei com um violeiro, vou poder cantar e tocar viola. Mas aí vieram os filhos, seis! E o plano foi ficando para trás, foi preciso conciliar o trabalho com o papel de mãe, dona de casa e o trabalho”, relata.
Maria Rosa trabalhou por 29 anos num lanifício, em Jacareí. Um câncer de mama, diagnosticado em 1989, a afastou do trabalho. “Foram 100 sessões de radioterapia e até hoje faço acompanhamento. Foi uma caminhada difícil, a gente fica muito para baixo, mexe com a autoestima”, revela.
E em meio à dificuldade, a vida de Maria Rosa começou a ganhar um novo sentido, quando o esposo Paraitinga lhe fez uma proposta. “Ele me disse: terminando o tratamento nós vamos cantar. Em 1991, começamos a ensaiar com o Rio Bonito, um cantor de música de raiz do bairro São João. E depois formamos um grupo de catira. Com todos os filhos já crescidos, pude retomar também o sonho de ser violeira”.
O talento já estava na veia, só precisava desenvolver. Então Maria Rosa, que estudou até o 3º ano primário, agarrou-se a essa possibilidade e veio a superação. “Queria tanto aprender, mas achava difícil. Mas descobri que o difícil a gente tem de tentar. E decidi aprender”, conta. Maria Rosa foi em busca de aulas particulares e descobriu que o computador também podia ajudar na aprendizagem. “Também tive aprender a mexer no computador e me matriculei num curso de informática. Nunca é tarde para aprender as coisas. Hoje baixo as músicas que gosto, digito minhas poesias, crio minhas pastas… o computador é meu aliado”, diz.
Além de tocar as músicas de artistas preferidos como a dupla Tonico e Tinoco, Maria Rosa também escreve músicas e poesias. “Tudo que posso transformo em poesias. Há poesia do meu casamento, da história da minha vida e até quando estou contrariada, expresso na poesia”, expõe a violeira e catireira de 71 anos, mestre da cultura Viva de Jacareí.
Babalorixá – O Sebastião Aparecida de Oliveira, 66 anos, é mestre da cultura na tradição da umbanda. Ele conta que passou a entender essa tradição vem de família, aos 18 anos: “Foi numa conversa com amigos, quando uma zeladora de santos despertou minha consciência para a importância da minha religião trazida pelos meus antepassados da África e dos índios butucus”.
Ele explica que essa herança sempre esteve presente na sua vida desde a infância e que hoje entende a importância e a influência que tem na sua vivência. “Adoro remédio de ervas. Reconheço o sagrado na natureza, presente nas matas, na cachoeira. E que devemos cultuar. Infelizmente isso não está acontecendo. O homem está destruindo toda a natureza e a gente fica preocupado”, destaca.
Sebastião fala também sobre o preconceito que ainda existe sobre os praticantes de religiões afrodescendentes como a Umbanda. Ele lembra embora os mais antigos tenham sofrido o preconceito “na pele”, não abandonaram suas tradições e por isso elas continuam vivas até hoje. “Ainda existe o preconceito de associar a umbanda e outras religiões afros à prática de bruxarias. Isso representa total falta de informação e cultura. A gente pode até explicar para as pessoas, quando estão dispostas a ouvir que não é nada disso. Mas o fato é que o preconceito nunca vai acabar. Sempre existe alguém para reavivar esse tipo de coisa”, avalia.
O mestre da cultura reconhece que há avanços no combate à intolerância, principalmente em Jacareí. “Temos duas festividades importantes na cidade, uma é o encontro das religiões afros e a outra é o Dia Nacional da Umbanda (15 de novembro), sendo que Jacareí é pioneira nessa iniciativa”, avalia o babalorixá, que também preside há 15 anos, a União Federal de Umbanda e Candomblé.
Benzedeira – A jovem Jaqueline Fortanely, 22 anos, atravessou a cidade para buscar remédio para filha de 7 meses. “Ela está vomitando e com febre e o médico não descobre. Só pode ser bucho virado”, diz a mãe preocupada, ao chegar à casa da benzedeira Sonia Aparecida Rebeque Pereira, 61 anos.
Sonia faz o benzimento, enquanto que a criança como se esperasse pelas orações, fica de olhinhos atentos e em silêncio. Terminado, a jovem agradece e vai embora. “Minha filha já está melhorando, sempre que vem aqui ela fica boa”, diz confiante. Todos os dias são assim para a benzedeira Sonia, que entre um afazer e outro de casa, atende alguém que bate em sua porta a procura de suas orações e receitas à base de plantas como o banho de picão para curar cobreiro e de guiné para aliviar dores no corpo.
Em tempos que a tecnologia digital se confunde com o conceito virtual, preservar a cultura imaterial é raro, a benzedeira Sonia Pereira é um exemplo raro na cidade. E foi por manter viva essa tradição, que no caso dela não foi herdada de família mas “repassada” por uma antiga vizinha, que Sonia também acaba de receber o Prêmio Mestre da Cultura Viva de Jacareí.
(Rosana Antunes / PMJ)